segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O Maior clichê do mundo

Eu sou uma pessoa feliz. Ok, mas até aí, nada demais. Talvez muita gente seja e não saiba. Bom, eu, pelo menos,sei que sou. Só que a coisa funciona de um jeito engraçado: eu só sei que sou feliz, quando não me sinto feliz. Não sei se me expliquei muito bem. Por exemplo, você tem uma laranja, certo? E você gosta dela. Mas você não se lembra que a tem, até o dia em que procura e não encontra. Aí você pensa em como era boa a sua laranja. Ok, não que felicidade seja coisa assim que se compare a laranja. Mas é que eu gosto muito de laranja, sabe?
De qualquer maneira, quando a gente não se sente feliz, não quer dizer que não somos felizes. Brasília é em geral, fria (se a gente ignorar os brasilienses que insistem dizer que não está frio, está "agradável"). Mas esse mês de Setembro, ta um calor terrível que tá deixando todo mundo de miolo mole. Pois bem, dizer que Brasília é quente só porque estamos debaixo de um sol escaldante há duas semanas é bobagem. Assim como dizer que não se é feliz porque agora se está triste. Mas chega das minhas metáforas ridículas. É bem fácil pensar "oh, como minha vida é terrével" ou "puxa, eu era tão feliz e não sabia". Em primeiro lugar, você pode estar na fossa, ter feito a maior cagada do universo, mas é a hora em que eu mando aqueeeele clichê: ALOOOOU? Você tá viva, criatura! Gente, eu sei que é tosco, mas é verdade, juro! Faça uma coisa pra mim: respire. Respirou? Tem que respirar, hein? Respirou agora? Olha aí que maravilha. Respirar. Sério, só quando ficamos sem poder respirar é que vemos o quanto é bom (e grátis) respirar. Experimenta pegar uma gripe que entupa tudo pra ver que suplício! Opa, seu problema é justo uma gripe? É, espera passar. Ficar gripado é uma merda de todo jeito. Quando passar e você respirar de novo, tudo será lindo na sua vida.
Quanto aos adeptos do "eu era feliz e não sabia", o mesmo pode valer. Não dá pra se sentir bem, lindo, inteligente e magro o tempo todo. Você não é o Brad Pitt nem a Angelina Jolie. Você é mortal. Então, relaxe, ouça um música, dance, ria. Quando você menos esperar, vai perceber que está feliz de novo. Eu, por exemplo, to aqui relaxando escrevendo pra ninguém. Mas eu to ligando? Tá óoootimo! To nem aí. To relaxando e esquecendo meus problemas pra tentar resolver o problema dos outros.
Ok. Isso nem é típico meu. Mas ninguém precisa de mais uma pessoa reclamando da vida por aí. Não prometo parar, hehehe, é impossível prever o futuro. Mas, por enquanto, se não der pra resolver os meus, dá pra tentar ajudar com os problemas alheios. Quanto menos problema no mundo, melhor. Nem que seja pelo menos, pra ouvi-los reclamar de suas vidas, ao invés de reclamar da minha, pra variar. Procurar laranjas dos outros, deve fazer alguém se sentir melhor.
E isso me fará feliz.
=)

domingo, 31 de maio de 2009

Quando acordei hoje de manhã, eu era a pessoa mais velha do mundo. Por isso mesmo achei tão curioso o fato de eu estar contando uma história. Acordei hoje sem saber direito em que ano nós estamos. Pouco importa também. Eu só espero que seja um tempo bem distante do qual eu vivia antes da doença. Tive um câncer que quase me matou. O poder da medicina moderna me manteve com uma vida vegetativa por todos esses anos e, graças a tudo isso é que hoje pude abrir os olhos para ser a prova viva do avanço tecnológico do ser humano.

Depois de conhecer um pouco do mundo e da época aos quais eu pertencia agora, constatei que não achava que fosse realmente eu a tal prova de avanço científico. As coisas estavam bem mudadas. A primeira delas que notei foi o frio ao sair do hospital. Esperava encontrar do lado de fora um calor mais aconchegante e vivo que a gelidez pálida da clínica. Mas não, parecia que eu continuava lá dentro, apesar do dia levemente ensolarado. Olhei para o céu, mas não havia sol. Pelo que me foi explicado, o sol não existia mais e fora substituído por enormes placas refletoras que me pareceram saídas de uma sessão de bronzeamento artificial gigante. O frio, eu viria a descobrir mais tarde, vinha de uma espécie de ar condicionado central que minimizava todo e qualquer calor proveniente do Efeito Estufa.

Quanta tecnologia. Eu devia ter sorte de sobreviver para conhecer uma época assim. Era tudo tão bonito. Sim, as pessoas eram todas bonitas, todas. Quase iguais, todas loiras, de olhos azuis e magras, minto, algumas tinham olhos verdes. Mas, acima de tudo, eram todos jovens. Ninguém no mundo passara dos 30 anos. Mais um avanço da tecnologia, que impedia que as pessoas envelhecessem, fazendo com que todos fossem jovens e saudáveis pro resto de suas vidas. Assim, absolutamente todos no mundo eram jovens. Exceto eu. Eu tinha 43 anos e era a pessoa mais velha do mundo.

Procurei por um lugar que eu reconhecesse, após tantos anos. Inútil. Todas as cidades do mundo eram iguais. Todos os vestígios que tornavam cada lugar único foram apagados. Todas as diferenças entre as culturas e nações se foram. E o mar? Era de um azul muito escuro. Quando coloquei os óculos, vi que era preto. Não era mar, era algo mais lucrativo: petróleo.

Durante o dia, descobri muitas outras coisas sobre aquele mundo. Tudo, absolutamente tudo era automatizado. Nem andar precisávamos mais. Alguns até tinham uma espécie de par de rodas no lugar de pés. Ninguém tinha tempo para uma coisa tão devagar quanto caminhar, precisavam trabalhar mais e mais rápido. Quase ninguém dormia, existiam pílulas para isso, para que não precisassem perder tempo. Aliás, agora, tudo vinha em cápsulas: a água escassa, a comida e até o oxigênio vinha em pílulas coloridinhas, pois este quase não existia mais no ar. As pessoas praticamente não tinham mais filhos, acho que viam televisão demais.

E eu, ao final do dia (que não escurecia),soube que tinha um estoque das cápsulas que me permitiriam viver por muito tempo ainda. Um suprimento quase eterno de pílulas de oxigênio. Pensei a respeito e caminhei lentamente até elas. Joguei todas pela janela, imaginando o que as pessoas pensariam ao ver milhões de pedacinhos coloridos caindo do céu.

Eles precisavam mais deles do que eu.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Ressaca

Eduardo levantou-se da cama naquela manhã de Novembro e calçou as pantufas de elefante. Caminhou até o banheiro e se olhou no espelho. A barba estava feita. Ele pensou se Maria gostaria dela assim. Escovou os dentes e depois usou um enxaguante bucal que comprara na noite anterior. Maria uma vez comentara que tinha um gosto bom. Fora difícil encontrar uma loja aberta para comprar o enxaguante. Naqueles dias, ninguém mais queria sair de casa ou abrir loja pra vender um cotonete que fosse. O comércio estava fechado por causa da chuva e do terror que tomou conta da população.

Era o fim do mundo, diziam os cientistas. E se os cientistas diziam, era certo. Ninguém ousaria discordar que as geleiras polares derreteram e o fim se aproximava cada vez mais, pelo céu e pelo mar. Em vão tentou-se construir abrigos, fortes e até arcas. Era pouco provável que suportassem a ira da chuva. A civilização ia submergir por completo e estava todo mundo desesperado. Quase todo mundo. Eduardo não ligava. Eduardo só ligava pra Maria. E Maria ultimamente não ligava muito pra Eduardo. Aliás, nem atendia quando ele ligava também. Teria Maria outra pessoa para quem ligar?

Não. Ela não podia ter outro. Sempre, desde sempre, para sempre tinham sido só eles. Não havia espaço para mais ninguém. Só Maria. E ele tentava perguntar “o que está acontecendo?”, “você está tão calada”, “você está tão distante” e “você não me ama mais?”. Nada. Maria tinha cólicas. Maria tinha trabalho. Maria tinha que se preocupar com os pais que, de tão apavorados, se mudaram para o iate da família.

Não. Não era isso. Ela tinha outro. Só podia ter outro. Eduardo tinha certeza de que ela o estava traindo. Só podia ser aquele ginecologista. Opa, era uma mulher. Ele estava sendo trocado por outra mulher! Maria, logo ela. Será? Será que ela tinha se mudado para o iate com o amante? Claro que sim, claro que fez. Maria o traíra. E todos sabiam. Todos. Mas isso não ficaria assim. Maria ia pagar caro.

Eduardo abriu a porta de casa e saiu sem guarda-chuva. A tempestade transformara a rua em caos e escuridão. Correu por algumas quadras pensando em Maria. Continuava a chover forte. Mais e mais. Imperdoável, Maria. A chuva aumentou rápido. Os trovões e os clarões ficaram mais intensos e freqüentes. Eduardo parou em frente a uma loja abandonada com a vitrine quebrada. Abrigo.

Ahh, Maria, Maria. Não faria tal crueldade. Tão meiga, tão doce, Maria.” Sem raciocinar, passou pelo buraco no vidro e cortou fundo a perna esquerda. Dor. Que dor poderia ser maior que essa, Maria? O mundo ia mesmo acabar e ele não veria Maria. A chuva era grossa e forte. Num súbito clarão, Maria olhou pra ele. Da capa de um livro no chão. Era Machado de Assis. E o olho de Maria.

O corte na perna sangrava excessivamente. Ele não sabia o que doía mais, a perna ou o olho. “Vou morrer”, ele pensou. Todos iriam naquele dia. Mas ele não veria Maria. Maria que o traíra. Traíra?

A força da água era tanta que Eduardo sentiu que o teto desabaria em questão de minutos. Não havia nada na loja com o que ele pudesse estancar o sangue, era uma livraria. Haviam apenas livros. E um cofre. Ele não poderia entrar e se abrigar no cofre. Não caberia. Não caberia, nem viveria, nem veria Maria.

O livro cabia. Podia guardar um último tesouro, protegê-lo da desgraça da qual ele não podia proteger a si próprio. Podia também proteger as gerações futuras, que viessem após o caos, daquela dor. Aquela dor tinha um culpado. “É tudo culpa sua, Machado” ele disse. O sangue agora jorrava do ferimento. “Eu posso acabar com tudo isso.” Olhou para o livro. Maria olhou de volta. “Maria... você me traiu?”

Abriu o cofre. Pensou bem. O mundo merecia continuar na dúvida.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Café com pão, feijão com arroz

Era casada há mais de 10 anos. Olhava as marcas do tempo sob seus olhos, que teimavam em aparecer refletidas na superfície escura do café na xícara. Fez a menção de levá-la aos lábios, mas logo sacudiu a cabeça e jogou o conteúdo na pia. Era a mesma coisa todos os dias. João era um homem bom e um bom marido. Tinham se casado um pouco por pressão da família e do tempo excessivo de namoro. Ela gostava dele, era um bom marido. Acordava-o todos os dias com o cheiro do café e do pão no fogo. Ele dava-lhe um beijo terno na testa e sentava-se à mesa. Conversavam sobre assuntos triviais, não tinham filhos. Ele lia o jornal e ela falava-lhe sobre a casa, o supermercado e as vizinhas.

Era casada há mais de 15 anos. O café era sempre preto e bem quente. As conversas sempre neutras e frias. Sua vida era vazia, ela pensou, vazia como a xícara em suas mãos. Não que quisesse ser como as vizinhas das quais falava ao marido. As brigas e os barracos que escutava da janela do quarto não pareciam nada com o tipo de vida que qualquer pessoa pudesse querer para si.Deveria ser feliz. Tinha uma casa simples, mas confortável. Tinha uma família querida com a qual almoçava aos domingos. Tinha um bom marido. Um bom marido. Ela sabia que não o amava. Sabia que ele jamais seria um galã de novela das oito que a salvaria de um incêndio, carregando-a nos braços fortes e fazendo-lhe juras ardentes de amor eterno. Nem era bem isso o que queria. Ora, o que mais ela poderia querer afinal? João não era nada disso. Mas era um bom marido.

Era casada há mais de 20 anos. Observava às vezes a filha da vizinha voltar pra casa com o namorado. Eles conversavam animadamente à porta de casa entre um beijo e um abraço apertado. A mocinha jogava a cabeça para trás com uma gostosa risada que parecia preencher todo o espaço. Ela gostava de observá-los e imaginar que sua vida um dia tinha sido assim, quando mais jovem. Onde então fora parar tudo aquilo? Os sonhos não realizados, as viagens nunca feitas, as promessas esquecidas. Ela acabou se casando com João e se acomodando à vida do jeito que esta vinha. O que mais ela achava que poderia esperar? Que o galã apagador de incêndios das oito surgisse de repente, adormecido no marido? Na verdade, queria era um homem que provocasse um incêndio dentro dela. Que a trouxesse para uma vida com mais emoção, mais sabor. Um sabor diferente do café amargo e escuro da xícara. Sem graça. Sua vida era sem graça, ela pensou. Pensou em sair dali, fugir. Encontrar um amor de verdade, que a fizesse estremecer por dentro e se arrepiar por fora. Que a levasse embora de repente, com o mundo como destino e a fizesse rir por horas até que a barriga doesse de não mais poder ser tão feliz.

Era casada há mais de 30 anos. Que idéia absurda, ora essa. Olhou para o relógio, viu se aproximar a hora do almoço. Levantou-se rapidamente, fez os pensamentos sumirem com um aceno brusco de cabeça e foi fazer o feijão.

domingo, 3 de maio de 2009

Xadrez vermelho


Era um dia comum de Junho, verão na Holanda. A rua tranqüila do bairro de Amsterdã onde eu trabalhava respirava sua calma habitual, pontuada pelos bondinhos que passavam de cinco em cinco minutos. Enquanto eu observava o movimento distraída, a caneta em minhas mãos caiu no chão atrás do balcão. Me abaixei para apanhá-la e não vi quando ele chegou. A loja estava vazia, escutei apenas o sininho da porta oscilando quando esta se abriu. O homem que entrara era alto e careca. Vestia um terno cinza com um chapéu na cabeça. Porém, a estrela amarela de exatas seis pontas na lapela denunciava-lhe a origem.

Olhando distraidamente para os objetos nas prateleiras sem demorar-se em nenhum, acabou por ficar frente a frente a mim. Antes que eu pudesse perguntar se poderia ajudá-lo, ele fixou o olhar decidido na estante exatamente atrás de mim e com um sorriso contido, pediu o caderno xadrez vermelho, último que restou na loja.
Eu me lembro exatamente do dia em que aquele carregamento de cadernos para diário chegou. Eram todos muito parecidos, quadradinhos, vermelhos. Porém, um chamou a minha atenção. Seria um caderno como os outros, se não fosse por um pequeno detalhe: seu fecho era simples, sem chave. Não sei porque me apeguei ao livrinho. Talvez porque me sentia como ele, naqueles tempos difíceis de 1942, um patinho diferente, fora do contexto. Sempre tive horror a guerras. E aquele era um caderninho diferente dos outros, que não guardaria segredo, não se calaria ante aos absurdos que aconteciam pelo país inteiro.

Pois bem, naquele momento em que vendi o caderninho para o homem da estrela no peito senti uma pontinha de dor pela separação. Não sei o que pensei na hora, mas quando ele pediu que embrulhasse pra presente, sem conseguir resistir, perguntei: “É para sua esposa?” Ele apenas sorriu contido mais uma vez e disse: “Para a minha filha caçula. Faz treze anos amanhã” Ahh, que saudade dos meus treze anos! “Ela gosta de escrever?” Novamente perguntei, precisava saber o destino do pequeno caderninho. “Sim” o homem respondeu “ela quer ser escritora ou jornalista”.

Depois que ele saiu, peguei-me imaginando o grande futuro que a aniversariante teria. Cresceria bem na companhia do livrinho e depois que acabasse a guerra, faria sucesso escrevendo sobre ela, narrando as tragédias sofridas pelo seu povo. Uma grande escritora. Uma grande jornalista, certamente. E aquele diário ficaria famoso. Os primeiros escritos de uma grande jornalista, no apogeu da Segunda Guerra Mundial. Eu a veria numa grande livraria, compraria um dos seus livros e a pediria que o autografasse para mim. E ficaria imensamente feliz em saber que eu vendi o seu primeiro diário.

Se naquela época eu soubesse o quando as coisas parecem tão mais bonitas quando as imaginamos... o diário ficou famoso, a autora ficou famosa. Eu só não imaginei que não ficaria feliz em saber o motivo pelo qual todo mundo hoje conhece aquele pequeno caderninho xadrez vermelho.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Parada

Lembrava-se tão bem, como se tivesse sido ontem. Seu primeiro dia de aula na Faculdade tinha acordado manso e preguiçoso há muitas horas atrás. Samara levantou-se da nova cama esfregando os olhos com os pulsos. Dormira mal, não tanto pela ansiedade com a nova cidade, a nova vida. A dor que lhe esmagava o peito com a mão forte situava-se entre a língua e o esôfago: a bolha espessa da saudade tomava conta de todo o espaço da garganta, competindo com o ar. Sem maiores melodramas, forçou-se a sair de baixo dos cobertores para encarar a tarde pálida e fria.

A tarde não se esforçou em demorar um pouco mais que a noite e a manhã que para Samara, passaram como minutos. Puta que pariu. Primeiro dia e vou me atrasar, ela pensou. Saiu de casa ainda com preguiça, mas a ansiedade e o nervosismo do atraso começaram a fazer efeito sobre a velocidade do seu corpo e espírito. A inércia a levou até a estação de metrô em alguns minutos. Entrou no trem completamente desperta.

As estações avançaram acompanhando sua impaciência. Quinze para as quatro, que merda. “Terminal Central: acesso à Rodoviária do Plano Piloto. Solicitamos a todos que desembarquem”. Caminhou rapidamente para a saída. Ao descer as escadas, já corria. Box 13, linha 110, Box 13, linha 110, Box 13, linha 110... Ai, e essas pessoas que não saem da frente, bosta! Nota mental: parar de xingar tanto ou os brasilienses vão me achar mal educada. Na Bahia, quase nada é palavrão. Ninguém vai se escandalizar se você disser “vai tomar no cu na casa do caralho seu filho da puta”. Aliás, vão achar qualquer coisa normal, a não ser que você diga “desgraça”. Aí é um tal de “Deus é mais!” e “Bate na boca, menino, que atrai!”

Pois é, Eram quatro horas. O horário exato em que a quilômetros dali, numa sala de aula num tal de ICC norte, a aula de Samara estaria começando. E ela estava ali, parada, olhando para uma fila que já dobrava a esquina da Pastelaria Viçosa. E agora José? Não havia muito o que fazer, além de ficar irritada... e parada.

De repente, vestido numa calça marrom velha, sapatos sociais gastos e uma camisa quadriculada em que faltavam dois botões, ele surgiu. Na verdade, mais brotou do que surgiu, num lugar onde antes só havia um balcão de vendedor ambulante. Olhando de cima a baixo a figura obviamente estudantil de Samara, sorridente, ele perguntou: “UnB?” “Como é?” ela retrucou, despertada do transe provocado pela falta de três dentes seguidos no sorriso do velho. “UnB?” Mas dessa vez não era com ela, e sim com a moça perfumada e loira atrás dela na fila. Enquanto Samara refletia sobre a necessidade daquele salto para ir à faculdade, o homem da camisa quadriculada dirigiu-se a ela mais uma vez: “É pra UnB que tu vai, né?” “É” ela respondeu sem pensar. “Então fechô, vamo lá” ele disse. “Não, não, vou esperar” Samara retrucou instintivamente na defensiva. “Primeiro dia?” “Quê?” “É seu primeiro dia, né? Ainda tem muito o que aprender, isso aqui é matéria obrigatória já!” A moça loira então dirigiu-se a Samara: “Vamos com a gente”. Em 3 segundos, Samara teve tempo de analisar suas possibilidades: “Bom, já estou muito atrasada... Deve ser de boa essa carona aí. Se não for, não tenho mais que 5 reais de qualquer maneira... agora... se for estupro, essa patricinha aí é mais bonita e vai se ferrar primeiro, acho que dá tempo de eu correr. Ok, então vamos lá.” E ela foi.

Dirigiram-se a um Fiat Uno então, o homem de quadriculado, a loirinha, dois rapazes de óculos e Samara. “Merda, sentei no meio! Agora não dá pra fugir pela janela...” E lá se foram pelas quadras da Asa Norte. Lentamente, Samara observou a garota loira enfiar a mão dentro de sua bolsa cor de rosa da Kippling, sobre o colo. Ai meu deus! Não acredito que essa mulher vai tirar uma arma daí de dentro! Mas ela não tinha nem cara de 171, não era possível que em Brasília até bandida era loirinha cor de rosa com carinha de fofa! Mas eis que ela tirou não um revolver, mas uma nota de dois reais que entregou ao motorista. “Moço, vou ficar nos pavilhões” disse a vozinha doce. Imitando-a, Samara entregou dois reais ao motorista, que perguntou para onde ela iria. “Ala Sul... quer dizer, norte!” E tudo correu bem.

Samara conseguiu chegar ao local da aula sã, salva e virgem! Feliz, apesar do atraso e da cara de “Ohh! Então essa é a caloura que se chama Samara?!” que os novos coleguinhas fariam. Entrou na sala o mais discretamente que conseguiu e assistiu metade de uma aula ininteligível. Deprimente, para quem tinha enfrentado tanta coisa para estar ali. E não estou falando de vestibular. Ah, doce a desgraça dos calouros ingênuos. Era aula trote.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Castanhos

Eram grandes e expressivos. Eram redondinhos. Eram castanhos, quase pretos pra quem olhasse distraído. Eram charmosos, mas não muito. Eram peludos, mas só em volta. Eram brilhantes. Eram macios. Ninguém os puxou para um lado, nem para o outro. Não eram multicolores. Não tinham pintas. Eram simples. Eram comuns.

Eram alegres, às vezes tristes. Eram sorridentes. Eram pacíficos, às vezes zangados, mas nunca raivosos. Eram piedosos, atenciosos e prestativos. Eram ternos. Eram seguros. Eram inteligentes. Ás vezes, ficavam perdidos, mas só ás vezes. Eram curiosos. Eram atentos. Eram sensíveis ao sol. Eram orgulhosos. Eram teimosos. Eram doces. Eram amistosos. Eram carinhosos. Eram abusados. Eram ansiosos de vez em quando, principalmente assistindo jogos. Eram sinceros. Eram verdadeiros.Não enxergavam direito. Não gostavam de usar óculos, usavam lentes. Quando mais jovens, eram inchados. Quando dormiam, pareciam ainda mais tranqüilos. Prestavam atenção no trânsito. Na paisagem em volta da cidade também. Gostavam do mar. Do lago também. Não gostavam do sabonete no banho. Gostavam da chuva. Gostavam de verde e de branco. Não gostavam de perder. Gostavam de futebol. Gostavam da neve. Nunca viram a neve. Não gostavam de injustiça. Gostavam de criancinhas e da família reunida na mesa.

Não gostavam do calor. Não gostavam de esperar. Gostavam de aproveitar a vida. Não choravam quase nunca. Eram lindos quando choravam. Não se irritavam fácil. Eram implacáveis brigando, mas pediam sempre perdão. Gostavam do céu. Eram amigáveis. Tinham dois cílios que cresciam pro lado contrário. Ficavam sempre apertadinhos de tanto rir. Arregalavam-se de espanto. Eram sapecas. Eram brincalhões. Eram divertidos. Eram compreensivos. Eram confortadores. Eram pacientes e impacientes também. Eram lindos.

Eram e continuam sendo muitas coisas, depois que os encontrei. Mas pra mim, são acima de tudo, castanhos.

domingo, 26 de abril de 2009

Inferno dos Astros

Texto escrito em 20 de Abril de 2009

Nunca, em toda a minha ainda curta vida acreditei em horóscopo, astrologia, explicações astrais, tarô e coisas do gênero. Pode ser por ignorância que eu esteja colocando as coisas dessa forma, como se fosse farinha do mesmo saco. Perdão aos que se sentirem atingidos. Se quiserem, podem vir depois me explicar a diferença e tentar jogar um pouco de luz mística numa pobre mente descrente como a minha. Mas não há nada que eu possa fazer, não acredito, nunca acreditei. Talvez seja por isso que estou tão incomodada nesses últimos dias.

Amanhã eu faço dezenove anos. Pelo que pesquisei na internet agora há pouco e ouvi dizer alguma vez na vida, os dias, ou até mesmo a semana que antecede ao aniversário, são de muito azar para a pessoa. Por experiência, passei por este período dezoito vezes e nada nunca tinha me acontecido até então. Esse tipo de idéia de combinação de signos, destino escrito nas estrelas, número da sorte e cor do dia, todo esse blábláblá esotérico era coisa que eu ouvia no rádio do transporte escolar no primário. Ou o que diz uma amiga que justifica tudo o que faz na vida com o fato de ser de Gêmeos. Mas, pra pagar minha língua e meu ceticismo, aconteceu de esse ano, numa única semana, eu conseguir pagar boa parte dos pecados do ano inteiro. Não entrarei em detalhes, vocês não são obrigados. Não sei que tipo de alinhamento Júpiter fez com Saturno e Marte do dia 13 pra cá. E nem sei se fez a mínima diferença no meu cotidiano desse período. O que sei, com toda sinceridade do mundo, é que a única maneira que me ocorre para descrever essa semana, perdoem-me os modos, é: um cu.

Me entristeci sem motivo algum, fiquei magoada por bobagem, pensei e disse coisas que jamais diria, algumas delas em voz alta, inclusive para outras pessoas. Me confundi com meus próprios pensamentos, com minha própria linha de raciocínio. Me contradisse. Briguei. Discuti. Disse coisas bobas e sem sentido. Perdi a conta das contas pra pagar. Meu computador quebrou. Meu celular não funcionou. Um ônibus em que eu estava bateu. Outro pegou fogo no pneu. Talvez pra me impedir seguir adiante, de dizer mais ainda o que não queria.

Enfim, amanhã isso tudo acaba. Meu inferno particular dura uma semana, segundo a Astrologia. Por ironia (que milagrosamente nem foi feita por mim), me vi torcendo pra que eu esteja errada em ser tão cética. Torcendo para que seja mesmo só essa semana. Na verdade, como vou comemorar hoje, ainda preciso pedir muito aos astros ou aos planetas ou a mim mesma que dê tudo certo até a meia-noite. Nunca estive tão feliz com a proximidade do dia 21 de Abril. E se o seu aniversário está perto, cuidado.

sábado, 25 de abril de 2009

Blog de novo

Sempre gostei de blog. Dos outros, não dos meus. Escrevo uma vez pra daqui a uma semana odiar o que escrevi. Acho que é por isso que vou ser jornalista. O que escrever num dia, no outro vai estar no lixo. Lixo. É pra lá que vão todos o textos, todos os sonhos, todas as cores, todos os amores. Tudo acaba um dia no lixo. Não garanto então, que esse não seja o destino desse novo blog. (Perdoa, mamãe). Autocrítica é uma merda de vez em quando, por que de vez em quando é muito bom falar merda. Eu adoro. Por isso estou aqui outra vez.