Lembrava-se tão bem, como se tivesse sido ontem. Seu primeiro dia de aula na Faculdade tinha acordado manso e preguiçoso há muitas horas atrás. Samara levantou-se da nova cama esfregando os olhos com os pulsos. Dormira mal, não tanto pela ansiedade com a nova cidade, a nova vida. A dor que lhe esmagava o peito com a mão forte situava-se entre a língua e o esôfago: a bolha espessa da saudade tomava conta de todo o espaço da garganta, competindo com o ar. Sem maiores melodramas, forçou-se a sair de baixo dos cobertores para encarar a tarde pálida e fria.
A tarde não se esforçou em demorar um pouco mais que a noite e a manhã que para Samara, passaram como minutos. Puta que pariu. Primeiro dia e vou me atrasar, ela pensou. Saiu de casa ainda com preguiça, mas a ansiedade e o nervosismo do atraso começaram a fazer efeito sobre a velocidade do seu corpo e espírito. A inércia a levou até a estação de metrô em alguns minutos. Entrou no trem completamente desperta.
As estações avançaram acompanhando sua impaciência. Quinze para as quatro, que merda. “Terminal Central: acesso à Rodoviária do Plano Piloto. Solicitamos a todos que desembarquem”. Caminhou rapidamente para a saída. Ao descer as escadas, já corria. Box 13, linha 110, Box 13, linha 110, Box 13, linha 110... Ai, e essas pessoas que não saem da frente, bosta! Nota mental: parar de xingar tanto ou os brasilienses vão me achar mal educada. Na Bahia, quase nada é palavrão. Ninguém vai se escandalizar se você disser “vai tomar no cu na casa do caralho seu filho da puta”. Aliás, vão achar qualquer coisa normal, a não ser que você diga “desgraça”. Aí é um tal de “Deus é mais!” e “Bate na boca, menino, que atrai!”
Pois é, Eram quatro horas. O horário exato em que a quilômetros dali, numa sala de aula num tal de ICC norte, a aula de Samara estaria começando. E ela estava ali, parada, olhando para uma fila que já dobrava a esquina da Pastelaria Viçosa. E agora José? Não havia muito o que fazer, além de ficar irritada... e parada.
De repente, vestido numa calça marrom velha, sapatos sociais gastos e uma camisa quadriculada em que faltavam dois botões, ele surgiu. Na verdade, mais brotou do que surgiu, num lugar onde antes só havia um balcão de vendedor ambulante. Olhando de cima a baixo a figura obviamente estudantil de Samara, sorridente, ele perguntou: “UnB?” “Como é?” ela retrucou, despertada do transe provocado pela falta de três dentes seguidos no sorriso do velho. “UnB?” Mas dessa vez não era com ela, e sim com a moça perfumada e loira atrás dela na fila. Enquanto Samara refletia sobre a necessidade daquele salto para ir à faculdade, o homem da camisa quadriculada dirigiu-se a ela mais uma vez: “É pra UnB que tu vai, né?” “É” ela respondeu sem pensar. “Então fechô, vamo lá” ele disse. “Não, não, vou esperar” Samara retrucou instintivamente na defensiva. “Primeiro dia?” “Quê?” “É seu primeiro dia, né? Ainda tem muito o que aprender, isso aqui é matéria obrigatória já!” A moça loira então dirigiu-se a Samara: “Vamos com a gente”. Em 3 segundos, Samara teve tempo de analisar suas possibilidades: “Bom, já estou muito atrasada... Deve ser de boa essa carona aí. Se não for, não tenho mais que 5 reais de qualquer maneira... agora... se for estupro, essa patricinha aí é mais bonita e vai se ferrar primeiro, acho que dá tempo de eu correr. Ok, então vamos lá.” E ela foi.
Dirigiram-se a um Fiat Uno então, o homem de quadriculado, a loirinha, dois rapazes de óculos e Samara. “Merda, sentei no meio! Agora não dá pra fugir pela janela...” E lá se foram pelas quadras da Asa Norte. Lentamente, Samara observou a garota loira enfiar a mão dentro de sua bolsa cor de rosa da Kippling, sobre o colo. Ai meu deus! Não acredito que essa mulher vai tirar uma arma daí de dentro! Mas ela não tinha nem cara de 171, não era possível que em Brasília até bandida era loirinha cor de rosa com carinha de fofa! Mas eis que ela tirou não um revolver, mas uma nota de dois reais que entregou ao motorista. “Moço, vou ficar nos pavilhões” disse a vozinha doce. Imitando-a, Samara entregou dois reais ao motorista, que perguntou para onde ela iria. “Ala Sul... quer dizer, norte!” E tudo correu bem.
Samara conseguiu chegar ao local da aula sã, salva e virgem! Feliz, apesar do atraso e da cara de “Ohh! Então essa é a caloura que se chama Samara?!” que os novos coleguinhas fariam. Entrou na sala o mais discretamente que conseguiu e assistiu metade de uma aula ininteligível. Deprimente, para quem tinha enfrentado tanta coisa para estar ali. E não estou falando de vestibular. Ah, doce a desgraça dos calouros ingênuos. Era aula trote.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
terça-feira, 28 de abril de 2009
Castanhos
Eram grandes e expressivos. Eram redondinhos. Eram castanhos, quase pretos pra quem olhasse distraído. Eram charmosos, mas não muito. Eram peludos, mas só em volta. Eram brilhantes. Eram macios. Ninguém os puxou para um lado, nem para o outro. Não eram multicolores. Não tinham pintas. Eram simples. Eram comuns.
Eram alegres, às vezes tristes. Eram sorridentes. Eram pacíficos, às vezes zangados, mas nunca raivosos. Eram piedosos, atenciosos e prestativos. Eram ternos. Eram seguros. Eram inteligentes. Ás vezes, ficavam perdidos, mas só ás vezes. Eram curiosos. Eram atentos. Eram sensíveis ao sol. Eram orgulhosos. Eram teimosos. Eram doces. Eram amistosos. Eram carinhosos. Eram abusados. Eram ansiosos de vez em quando, principalmente assistindo jogos. Eram sinceros. Eram verdadeiros.Não enxergavam direito. Não gostavam de usar óculos, usavam lentes. Quando mais jovens, eram inchados. Quando dormiam, pareciam ainda mais tranqüilos. Prestavam atenção no trânsito. Na paisagem em volta da cidade também. Gostavam do mar. Do lago também. Não gostavam do sabonete no banho. Gostavam da chuva. Gostavam de verde e de branco. Não gostavam de perder. Gostavam de futebol. Gostavam da neve. Nunca viram a neve. Não gostavam de injustiça. Gostavam de criancinhas e da família reunida na mesa.
Não gostavam do calor. Não gostavam de esperar. Gostavam de aproveitar a vida. Não choravam quase nunca. Eram lindos quando choravam. Não se irritavam fácil. Eram implacáveis brigando, mas pediam sempre perdão. Gostavam do céu. Eram amigáveis. Tinham dois cílios que cresciam pro lado contrário. Ficavam sempre apertadinhos de tanto rir. Arregalavam-se de espanto. Eram sapecas. Eram brincalhões. Eram divertidos. Eram compreensivos. Eram confortadores. Eram pacientes e impacientes também. Eram lindos.
Eram e continuam sendo muitas coisas, depois que os encontrei. Mas pra mim, são acima de tudo, castanhos.
Eram alegres, às vezes tristes. Eram sorridentes. Eram pacíficos, às vezes zangados, mas nunca raivosos. Eram piedosos, atenciosos e prestativos. Eram ternos. Eram seguros. Eram inteligentes. Ás vezes, ficavam perdidos, mas só ás vezes. Eram curiosos. Eram atentos. Eram sensíveis ao sol. Eram orgulhosos. Eram teimosos. Eram doces. Eram amistosos. Eram carinhosos. Eram abusados. Eram ansiosos de vez em quando, principalmente assistindo jogos. Eram sinceros. Eram verdadeiros.Não enxergavam direito. Não gostavam de usar óculos, usavam lentes. Quando mais jovens, eram inchados. Quando dormiam, pareciam ainda mais tranqüilos. Prestavam atenção no trânsito. Na paisagem em volta da cidade também. Gostavam do mar. Do lago também. Não gostavam do sabonete no banho. Gostavam da chuva. Gostavam de verde e de branco. Não gostavam de perder. Gostavam de futebol. Gostavam da neve. Nunca viram a neve. Não gostavam de injustiça. Gostavam de criancinhas e da família reunida na mesa.
Não gostavam do calor. Não gostavam de esperar. Gostavam de aproveitar a vida. Não choravam quase nunca. Eram lindos quando choravam. Não se irritavam fácil. Eram implacáveis brigando, mas pediam sempre perdão. Gostavam do céu. Eram amigáveis. Tinham dois cílios que cresciam pro lado contrário. Ficavam sempre apertadinhos de tanto rir. Arregalavam-se de espanto. Eram sapecas. Eram brincalhões. Eram divertidos. Eram compreensivos. Eram confortadores. Eram pacientes e impacientes também. Eram lindos.
Eram e continuam sendo muitas coisas, depois que os encontrei. Mas pra mim, são acima de tudo, castanhos.
domingo, 26 de abril de 2009
Inferno dos Astros
Texto escrito em 20 de Abril de 2009
Nunca, em toda a minha ainda curta vida acreditei em horóscopo, astrologia, explicações astrais, tarô e coisas do gênero. Pode ser por ignorância que eu esteja colocando as coisas dessa forma, como se fosse farinha do mesmo saco. Perdão aos que se sentirem atingidos. Se quiserem, podem vir depois me explicar a diferença e tentar jogar um pouco de luz mística numa pobre mente descrente como a minha. Mas não há nada que eu possa fazer, não acredito, nunca acreditei. Talvez seja por isso que estou tão incomodada nesses últimos dias.
Amanhã eu faço dezenove anos. Pelo que pesquisei na internet agora há pouco e ouvi dizer alguma vez na vida, os dias, ou até mesmo a semana que antecede ao aniversário, são de muito azar para a pessoa. Por experiência, passei por este período dezoito vezes e nada nunca tinha me acontecido até então. Esse tipo de idéia de combinação de signos, destino escrito nas estrelas, número da sorte e cor do dia, todo esse blábláblá esotérico era coisa que eu ouvia no rádio do transporte escolar no primário. Ou o que diz uma amiga que justifica tudo o que faz na vida com o fato de ser de Gêmeos. Mas, pra pagar minha língua e meu ceticismo, aconteceu de esse ano, numa única semana, eu conseguir pagar boa parte dos pecados do ano inteiro. Não entrarei em detalhes, vocês não são obrigados. Não sei que tipo de alinhamento Júpiter fez com Saturno e Marte do dia 13 pra cá. E nem sei se fez a mínima diferença no meu cotidiano desse período. O que sei, com toda sinceridade do mundo, é que a única maneira que me ocorre para descrever essa semana, perdoem-me os modos, é: um cu.
Me entristeci sem motivo algum, fiquei magoada por bobagem, pensei e disse coisas que jamais diria, algumas delas em voz alta, inclusive para outras pessoas. Me confundi com meus próprios pensamentos, com minha própria linha de raciocínio. Me contradisse. Briguei. Discuti. Disse coisas bobas e sem sentido. Perdi a conta das contas pra pagar. Meu computador quebrou. Meu celular não funcionou. Um ônibus em que eu estava bateu. Outro pegou fogo no pneu. Talvez pra me impedir seguir adiante, de dizer mais ainda o que não queria.
Enfim, amanhã isso tudo acaba. Meu inferno particular dura uma semana, segundo a Astrologia. Por ironia (que milagrosamente nem foi feita por mim), me vi torcendo pra que eu esteja errada em ser tão cética. Torcendo para que seja mesmo só essa semana. Na verdade, como vou comemorar hoje, ainda preciso pedir muito aos astros ou aos planetas ou a mim mesma que dê tudo certo até a meia-noite. Nunca estive tão feliz com a proximidade do dia 21 de Abril. E se o seu aniversário está perto, cuidado.
sábado, 25 de abril de 2009
Blog de novo
Sempre gostei de blog. Dos outros, não dos meus. Escrevo uma vez pra daqui a uma semana odiar o que escrevi. Acho que é por isso que vou ser jornalista. O que escrever num dia, no outro vai estar no lixo. Lixo. É pra lá que vão todos o textos, todos os sonhos, todas as cores, todos os amores. Tudo acaba um dia no lixo. Não garanto então, que esse não seja o destino desse novo blog. (Perdoa, mamãe). Autocrítica é uma merda de vez em quando, por que de vez em quando é muito bom falar merda. Eu adoro. Por isso estou aqui outra vez.
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